Singularidades de um homem bombado.(historinha)

Era uma vez um homem bombado que não tinha cabeça. Sem cabeça, ele não conseguia fazer as coisas mais triviais sozinho. Ele não conseguia falar, ainda que pudesse se comunicar por gestos; ele não conseguia ler; mas entendia o braile, ele não conseguia comer nem beber, mas lhe injetavam soro; ele não conseguia sorrir, mas sabia bater palmas quando feliz; ele não conseguia beijar, mas demonstrava afeto esfregando o mamilo na cara de alguém. Tudo o que ele não conseguia fazer, por não ter uma cabeça, o homem bombado dava um jeito com o resto do corpo, de uma forma ou de outra ou ainda de outra.

Como ele não tinha cabeça, o homem bombado só podia trabalhar o corpo. E o seu corpo era bem trabalhado, todo dia. Um dia, uma família caridosa de uma cidadezinha qualquer, conhecendo o caso do homem bombado num programa sensacionalista da televisão, ofereceu-lhe a cabeça de um filho que tinha morrido no dia anterior. O homem bombado, que também não conseguia pensar, aceitou a cabeça fazendo um gesto com o indicador e dando pulinhos. Era o dia mais feliz da vida anencefálica do homem bombado.

Quando ele já estava com a cabeça, devidamente encaixada no buraco que existia então no seu pescoço, deu a sua primeira risada, ainda meio desajeitada, por não saber muito bem o que ele estava fazendo. Dizem que o homem bombado cuidava de sua cabeça como se cuidasse de um recém-nascido, não lhe restando muito mais tempo para cuidar do resto do corpo. O resto do corpo foi abandonado aos poucos; o homem bombado tinha, afinal, uma cabeça para tomar conta...